- Interessante: Alguém que já entendeu onde vêm as movimentações de cidadania construtiva para o nosso futuro e acometem, sem pudor e sustentação sólida, as raízes da refundação -
Foi inevitável recorrer a este título. Não acostumado a usar este tipo de linguagem nem sendo do meu estilo, contudo, a situação que será aflorada remeteu-me para esta cada vez mais doutrinária expressão “política”… hoje recorrente na boca dos nossos políticos (em trato de “política elevada”…obviamente) e daí a sua (re)citação.
Posto o intróito, e lido um trabalho de Ana Gomes Ferreira que ocupava duas páginas do P2 do Público, publicado no passado dia 2-3-2012*, acerca de um livro sob o título “A Vida Privada dos Bragança”, de Ana Cristina Pereira e Joana Troni, não pude evitar escrever umas notas para aclarar, dentro do que me é conhecido e possível, algumas “preciosidades”, supostamente cientificas, que li naquela critica à obra das duas autoras.
Qual mergulhadoras e descobridoras da pólvora seca, li coisas nunca antes ouvidas e lidas acerca de membros da Família Real da Dinastia de Bragança, entre outros, sobre a Sra. D. Catarina de Bragança, futura Rainha e mulher de Carlos II de Inglaterra, concretamente: «Mas, ao chegar a Londres, a portuguesa “chocou os ingleses”. Era uma moça da província – até levava posta “a tão retrógrada moda” das anquinhas e dos guardinfantes»; Como não bastasse D. João IV, seu pai, também foi objecto de “estudo”: «O novo monarca (…) tem nas mãos um reino pobre e atrasado e um objectivo acima disso: vencer a guerra contra os espanhóis e consolidar a independência e posse da coroa». Também a vida de D. João VI foi corpo de apreciações: «As invasões francesas atiraram D. João VI (mais um homem errático; também ele não era o primogénito, o preparado para o trono) e a corte para o Brasil».
Mas a minha parte predilecta é encontrada, sem sombra de dúvida, no final do artigo, quando é dito pela articulista do P2: «E foi o fim, como aconteceu com tantas monarquias, fossem elas ricas, faustosas e cosmopolitas, ou pequenas, modestas e provincianas como a portuguesa». Ou seja: É isso mesmo que dizem os melhores índices de qualidade humana, designadamente, o de Desenvolvimento Humano e o de Democracia; É isso mesmo que se vê no plano comparativo do desenvolvimento no mundo árabe; É isso mesmo que se vê em plena Europa com os crescentes movimentos restauradores (maxime na Roménia) que já perceberam qual é a fórmula preferível de Democracia e da sã prosperidade, pelo tal plano comparativo com os Países que estão melhor.
Ora, perante o cenário exposto no P2, confesso que fiquei, numa primeira fase, estupefacto! Em toda a minha vida sempre li e ouvi os mais reputados historiadores, nacionais e estrangeiros, aqueles que realmente interessam, pois cruzam opiniões quer conservadoras, quer progressistas, quer de direita, quer de esquerda e todos aponta(va)m precisamente para um núcleo comum em sentido contrário. Mas que raio, eles estavam todos errados e eu não me apercebi disso! Quando a imprensa republicana francesa noticiou o regicídio com o título “morreu o Rei mais culto da Europa”, afinal tudo não passou ímpetos mentirosos…com manchetes embusteiras!?
Realmente como não dei conta que o progresso residia numas lantejoulas, numas roupagens, nuns estilos menos afrancesados ou até naquele estilo, que nunca foi generalizadamente piroso dos ingleses, e que não adornavam a nossa infeliz Família Real de Bragança?! Não! De facto, os supostos passos civilizacionais que fomos pioneiros como, entre muitos outros exemplos, a primeira definição de democracia (antes mesmo dela existir enquanto conceito) que D. João IV nos deixou, afinal, parece que é de um provincianismo acutilante. Cito o João Távora no ‘Centenário da república’: «De facto como referia há umas semanas Filipe Paiva Cardoso, no jornal i custa a aceitar que o nosso país não tenha a força para reclamar o lugar de topo na história da civilização, quando, quase cento e cinquenta anos antes da Tomada da Bastilha, exibe num seu documento fundacional, a legitimação democrática de D. João IV, no assento das cortes de Lisboa em 1641, algo como “[...] sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins [vida, liberdade e felicidade], cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la” – e “Nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela [nação] não emane expressamente”.» Bom…o erro é meu, só pode! Tenham paciência, minhas senhoras…!
Realmente D. João IV esteve muitos anos em guerras, as quais nos deixaram mais fragilizados economicamente. Mas para além dessa realidade, logicamente consequente, a verdade é que ele, nesses anos de empresa contra Espanha, deixou ao povo (e o povo com ele) a Liberdade! A Liberdade além da opressão estrangeira e a recuperação do nosso verdadeiro caminho enquanto cultura, enquanto economia…que como se sabe até não correu assim tão mal em Monarquia.
Porém, não se falou imediatamente a seguir naquele texto, com a devida propriedade e com o detalhe mínimo requerido no contexto, acerca de seu filho D. Afonso VI que, apesar de ter tido problemas neurológicos, teve um reino de prosperidade. Apesar disso, a excelência determinada pelos “provincianos” Bragança exigia a sua substituição…e assim foi.
Recordo ainda às (três) escrevinhadoras que o Ducado de Bragança era constituinte da mais alta nobreza portuguesa, realidade datada à II Dinastia e ainda, mais antecedente, também à época da I na linhagem dos Condes de Barcelos. Ora, sendo o futuro D. João IV membro das mais influentes famílias de Portugal e, consequentemente, àquela data, do mundo, não estabeleceria ele contactos institucionais com os reis da altura, fossem os de Portugal ou os do estrangeiro? Dada a importância do então Duque de Bragança, e dada a sua perigosidade para a Casa de Habsburgo (III Dinastia portuguesa), como se veio efectivamente a verificar, não teria sido prestada uma espécie de vassalagem invertida pelos Filipes para paparicar a Casa de Bragança de modo que aquela ficasse sossegadinha? Face a isto: acham mesmo que D. João, já Rei, descendente de reis e lidando com reis, esqueceu-se como era ser Rei?! Não terá sido o “Regimento do Serviço da Casa Real”, que invocam pelas seis décadas de capital em Madrid, um formalismo normal e adequado à nova Casa reinante (simplesmente porque era outra), embora necessário às novas contingências de governo e não apenas um manual de aprendizagem, conforme nos querem fazer querer? Estou convicto que estão absolutamente erradas!
Por outro lado, foi a “provinciana” Catarina de Bragança que deu o chá que os ingleses ainda hoje bebem e internacionalizaram como símbolo da mais suprema e universal etiqueta. Entre outras novidades ainda introduzidas na corte inglesa por ela, está-lhe associado o nome do bolo conhecido por “queque” (de “cake”) e sua suposta forma de coroa de uma Rainha.
Foi a única portuguesa a ser Rainha de Inglaterra e a ela se deve uma enorme quota do início do império britânico na Índia, tendo tido ainda um contributo essencial para a independência de Portugal face a Espanha. Por duas vezes chegou a ser regente do trono de Portugal quando, após nove anos ainda em Inglaterra sobre o falecimento de Carlos II, acabou por regressar ao nosso País em 1693 e antes de morrer, 12 anos depois, ocupou então o cargo de regente do reino português, em substituição de D. Pedro II seu irmão.
Talvez o epíteto de “provinciana” possa estar antes relacionado com algo que vai além de roupagens minhas senhoras, antes com o facto de ela ter sido uma Católica num país de protestantes (foi a última rainha católica de Inglaterra), razão pela qual foi alvo de inúmeras suspeições, intrigas e conspirações, o que se agravou com a circunstância de nunca ter conseguido ter um filho do rei! A rainha foi mesmo acusada, pelo Parlamento, por suposta conspiração contra a vida do rei. Era, ainda assim, querida em Inglaterra. O próprio rei que a traiu maritalmente enumeras vezes, de quem nunca teve um filho, nunca deu azo às acusações e, antes de morrer, curiosamente, converteu-se ao Catolicismo… Sobre Catarina de Bragança escreveu a escritora britânica Lillias Campbell Davidson, autora com obras sobre aquele período, que foi "uma das melhores e mais puras mulheres que se sentaram no trono de Inglaterra".
Essa clareza quanto à grande dimensão e carácter de Catarina como mulher de estado, advém e é reconhecida até pelo Duque de Iorque, irmão de Carlos II. Após o senhor de Iorque ter conquistado a cidade de Nova Amsterdão, fundada por holandeses em 1626, passou, em 1664, a denominar-se Nova Iorque. As áreas limítrofes da cidade ficaram com os nomes de King’s Country e de Queens Country, esta última em respeito à cunhada. Esse facto valeu ainda hoje, à “provinciana” Catarina, o nome ao famoso bairro habitado maioritariamente por negros de Queens, em Nova Iorque…curiosamente essa cidade tão provinciana.
Quanto a D. João VI e a sua “falta de preparação” por ausência de primogenitura, que não deixa de ser veridicamente um argumento indicador de preparação (i.e. mais anos mais preparação), mas que para V. desagrado, minhas senhoras, lhes digo que teve anos e anos a fio como regente. Preparação?! Mais do que isso! Salvou-nos da tragédia em uma das situações mais complexas de Portugal. O homem de quem Napoleão disse ter sido o único que o conseguiu enganar. Hoje é medianamente atingível para qualquer leitor da TV Guia que D. João VI encontra-se no leque dos melhores Reis de Portugal, isso mesmo ficou pacificamente assente aquando das recentes jornadas histórico-cientificas desenvolvidas, quer em Portugal, quer no Brasil, no decurso das celebrações dos 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao maior país da América do Sul e o quinto maior do mundo em área territorial. Se ele foi “errático”…ainda bem que o foi, assegurou-nos, ainda hoje, um território (e por ora) seguro.
D. Luís I, ora aí outro Bragança… Aquele que na continuidade de seu grande irmão D. Pedro V, protegido do Historiador e Escritor Alexandre Herculano, quiçá outro provinciano, bateu-se pelo humanismo, aquele humanismo que em várias frentes valeu a pioneira e mundial vanguarda no domínio do Direito Penal universal e dos Direitos do Homem, concretamente, na culminação (pasta inicialmente assumida por sua mãe D. Maria II) da abolição da pena de morte sobre todas as suas tipologias à data vigentes e, ainda, na abolição da escravatura. Aqui não me darei ao trabalho sequer de falar das obras públicas que modernizaram Portugal, algumas delas ainda são hoje o sustentáculo do povo…sobretudo nos locais descentralizados e assim esquecidos pela república.
Tivemos, ao que parece, desde 1640 em Monarquia, uns retrógrados a gerirem-nos mas, acima de tudo, e como é referido naquela “obra” de distinção, uns: “provincianos”.
Ora são precisamente esses “provincianos” que lhes dão que escrever minhas senhoras…que séculos passados das suas mortes ainda lhes dão a ganhar. Estranho, caras senhoras?! Pura realidade!
Antes de terminar ainda sublinho uma parte do artigo, quando é referido que: «”A corte portuguesa é considerada uma corte triste. As rainhas estrangeiras que chegavam [para casar com monarcas ou herdeiros] comentavam com as suas mães, nas cartas, que era uma corte que as pessoas não se desenvolviam” (Ana Cristina Pereira)». Ora minha senhora, imagine-se com a idade daquelas princesas, num País estrangeiro, e verá se tudo não lhe parece por “desenvolver”! Vá estudar as posturas, entre muitas outras que aqui podiam ser enunciadas, de D. Maria Pia de Sabóia e de Amélia de Orleães e ainda as últimas palavras desta nossa mui portuguesa Rainha! Por fim, aproveite a embalagem e leia também os testemunhos de Maria Antonieta prestados a sua mãe a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, testemunhos redigidos em carta naquela corte atrasadíssima e provinciana chamada Versalhes!
Termino dizendo que este artigo do P2 serviu-me, e bem, para poupar dinheiro. Já sei o que fazer: não gastar dinheiro em comprar este livro. Pura perda de tempo, meus amigos! Preferia antes, caso fosse o meu estilo de leitura, ir por uma dessas edições rosa que por aí proliferam…sempre havia, eventualmente, mais conteúdo. Fica o conselho.
Minhas senhoras, hoje, sem dúvida alguma, é que estamos melhor representados (e menos tristes) com estes presidentes que andam em cima de Tartarugas e comem bolos-Rei…
Post Scriptum: Apenas num aspecto estas autoras entraram em sintonia comigo e acertaram, quando dão enfoque à qualidade representativa baseada na preparação, dando como assente a primogenitura como regra lógica disso mesmo. Interessante…
* Páginas 10-11.
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