Assim, devemos começar por partilhar a nossa total indignação com o actual fenómeno noticioso de alguns jornais televisivos do horário nobre, que, em primeiro plano e essencialmente, só se reportam aos casos mediáticos que ocorrem presentemente, sejam eles, os casos "Moderna", "Felgueiras", "Casa Pia", etc. E como se não bastassem, temos de adicionar àqueles citados "fenómenos jornalísticos" mais alguns pequenos mas verdadeiros contos bombásticos de horror, como (e de forma meramente abstracta) o de fulano que apunhalou, por dez vezes, sicrano, ou, então, o da freguesia X onde foi encontrado um corpo não identificado, num campo com malmequeres, que pelos vistos lá jaz há cinquenta anos, e que foi descoberto pela Dna. Antonieta que, por acaso, ia lá a passar aquando da apanha de algumas flores para colocar no vaso da sua sala, etc, etc. Perguntamos então: será mesmo necessário assistirmos, diariamente, ao teor desta tipologia de notícias? O dia a dia deste país é isto? Não estamos a crer desvalorizar a necessidade e o conteúdo jornalístico de determinadas notícias, e muito menos do rigor, empenho e profissionalismo dos jornalistas que as elaboram, mas atendendo à cada vez maior escassez de tempo que todos nós dispomos para sermos informados, não estará a haver um desvio da orbita do que é essencial, ou seja, dos assuntos de fundo que relevam mais ao país, como os assuntos europeus, a economia, as finanças ou os problemas sociais existentes, aos quais é sempre necessário reflectir, por à discussão pública e arranjar melhores soluções (hoje muitas das vezes tratados em plano secundário)? Achamos, por isso, haver a necessidade prévia de enquadrar o teor dos factos a noticiar, com o âmbito do espaço a que importam, isto é, se são do interesse nacional, regional ou local, e, então, a partir daí fazer-se a selecção e exposição noticiosa.
Todavia, operando neste parágrafo um parêntesis, e ainda a propósito do "caso Casa Pia", não podemos deixar de salientar o quanto achamos estar ténue a margem entre o poder jurisdicional e o poder político, isto sem descurar do papel interpretado pelos média, a quem muitos designam de 4.º poder. Ora, num Estado de direito como o que nós vivemos, onde uns dos seus principais pilares é precisamente o princípio da separação de poderes, mas também o dever de informar, deixaríamos, então, ao critério de apreciação do leitor, se entende estar a ser prestado, por alguns média, um bom serviço à comunidade ao "pressionar" massivamente, com perguntas, juízes que têm a missão de defender o segredo de justiça (...) ? Também não deveriam existir limites legais à divulgação noticiosa? Como se consegue divulgar dados de um processo sujeito a segredo de justiça? Se por um lado existe o dever de informar pelos órgãos de comunicação, também não há o dever ético de deixar os senhores magistrados terem a tranquilidade necessária para poderem decidir este caso já de si de enorme responsabilidade, quer para eles, quer para os arguidos? (...) Não existem tantos arguidos por este país, que após serem revistas as suas medidas de coação, ou decretar-se, por instância superior, a ilegalidade das suas prisões preventivas, virem a ser libertos, conforme os trâmites normais da justiça num regime democrático, e não serem motivos de notícia? Então, qual a intenção de alguma comunicação social nesta citada situação do "caso Casa Pia"? Informar apenas? (...) Em suma, e acerca deste caso, entendemos ter havido um bom serviço prestado pelos média na descoberta dos eventuais crimes envolvidos, porém, e a partir desse momento, devem ser as entidades competentes por direito a conduzir o processo, uma vez que a justiça faz-se é no foro e não nas travessas das ruas. Pelo que deve haver, por determinados órgãos de comunicação social, moderação no espírito de divulgação noticioso, bem como, moderação em alguns responsáveis políticos e não políticos nas suas declarações públicas.
Retomando a nossa exposição, pensamos igualmente estarmos todos a ser, e já há um certo número de anos, os receptores de um fenómeno de transmissão de pura negatividade informativa, que nos é incorporada, em especial, pela televisão, em virtude de ser um meio áudio e visual e por isso mais impressivo. Julgamos, assim, que este fenómeno é um dos principais responsáveis pelo desacreditar e destabilizar da auto estima da Nação, que mais do que nunca precisa acreditar na retoma e na reentrada do comboio da Europa, país este que tem potencial e que, outrora, já o demonstrou, acreditando até para além da então realidade, colhendo por isso o reconhecimento da História, e referimo-nos, a título de exemplo, à fase dos Descobrimentos.
A verdade é que inconscientemente este fenómeno negativista está presentemente a materializar-se em todos nós e, consequentemente, a reflectir-se nos nossos modos de vida. Há que dar a volta a tudo isto, há que começar a introduzir confiança e auto estima em todos nós, nós que somos confrontados quase exclusivamente com as ditas "más noticias" (entendam-se com o teor que já designámos de negativista, nada se referindo à sua qualidade). Basta de se falar de "sangue" e intrigas! Entendemos haver a necessidade de alguns canais televisivos, que são responsáveis pela transmissão de telejornais, reflectirem profundamente sobre esta questão, em especial sobre o fenómeno sociológico e, porque não, psicológico que lhe está inerente. Não estaremos perante a criação de um ciclo que estará a incutir na sociedade, por exemplo, um espírito de agressividade, de desconfiança para com o seu concidadão, e ressalvo, em especial, em escalões etários mais vulneráveis a este tipo de informação, já para não mencionar a violência que, em demasia, é passada em determinados telefilmes?
A este propósito tivemos um ilustre professor, homem sábio e com invulgar sentido de humor, que uma vez confrontado com uma questão de um aluno, que lhe perguntava que tipo de informação assistia na televisão, ele respondeu: «ora, com o meu pequeno comando de televisão, apenas vejo as “boas notícias” dos telejornais e o “Contra Informação”, e acreditem que fico bem informado». Acrescíamos a isso, e a título de sugestão a alguns directores de programação, porque não, por exemplo, das 19 às 20 horas serem transmitidos os telejornais das "más noticias ou ditas negativistas", e depois, das 20 às 21 horas os telejornais das "boas noticias". Assim a prestação de serviço público, por todas estações, estaria assegurado, uma vez que permitia, democraticamente, o telespectador escolher a informação que pretendia. Então…vamos a isto?! Com franqueza…
Para finalizar, e face ao descrito, genericamente entendemos que o mais essencial conteúdo jornalístico, está hoje concentrado, em especial, na rádio, em alguns jornais e, rara excepção, em alguns telejornais. Devemos por isso salutar a generalidade dos comunicadores de informação, que por rádio, jornal ou televisão mantêm o necessário equilíbrio e adequação informativa, conseguindo a boa proximidade pela qual nós lhes possamos confiar a nossa necessidade de informação e não a de emoções fortes.
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