Paulo Estevão, Artur Lima, Félix Rodrigues e Ana Espínola estes foram os quatro deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores (ALRA) que, em consciência, e sem precedentes históricos, votaram favoravelmente uma (simples mas sintomática) proposta de Recomendação à Assembleia da república de modo a possibilitar aos portugueses um referendo para, finalmente, de forma livre e democrática, poderem se pronunciar sobre o tipo de regime que verdadeiramente querem…à semelhança daquilo que se fez na Grécia, Itália, Espanha e até no Brasil, com monarquias bastante mais recentes e curtas que a nossa.
Olhando à sua volta, vendo os países mais desenvolvidos do mundo nos mais importantes índices, visualizando democracias indubitavelmente melhores que a portuguesa, como a norueguesa, a sueca, a dinamarquesa, a holandesa, a inglesa, a belga, a espanhola, a canadiana, a japonesa, a australiana, etc, etc, estes deputados saíram da banalidade e registaram um momento especial e demarcado no regime imposto desde 1910.
Não sabendo sequer se os próprios monárquicos se aperceberam da dimensão formal desta proposta, nem eu, tão-pouco, sabendo se todos os quatro deputados são monárquicos, porquanto não os conheço pessoalmente, nem nunca troquei uma só palavra com eles, sobressaiu, desta iniciativa, uma atitude frontal dos mesmos contra poderes instituídos. Aquela postura limítrofe entre o possível e o impossível, entre o irreal e a realidade, o medo de errar e o tentar, foi quebrada positivamente e acabou por caracteriza-los com a coragem dos poucos e com o verdadeiro interesse em mudar as coisas. Apenas quatro …mas já são um conjunto e nunca, nunca mesmo, uma mudança neste País iniciou-se num rebanho.
As estes quatro quero, acima de tudo, prestar os meus respeitosos agradecimentos como cidadão, porquanto deram um cunho substantivo de idealismo a um cenário político gerido pela habitualidade, pela tecnocracia (…quando existe), pela aridez de atitude verdadeiramente progressista e, sobretudo, pelo amorfismo de ideias.
Esta iniciativa, a meu ver, não se tratou de uma iniciativa de reimplementação da Monarquia. Tratou-se sim de uma iniciativa muito mais importante: de Justiça. Procurou-se reparar o maior erro que alguma vez foi infligido em Portugal enquanto democracia, recorrendo à liberdade e ao poder de expressão dos cidadãos para estes se pronunciarem sobre o regime que nos foi imposto em 1910. Um erro que, perdurando, vem caracterizando quem somos hoje e porque, não corrigido, mantemo-nos a decair enquanto País.
Até «Jaime Gama, quando presidiu à AR, admitiu um projeto do CDS que visava alterar na Constituição a expressão "forma republicana de governo" por "forma democrática de governo"», conforme referia o deputado Estevão. Manuel Alegre também tem abertura próxima à de Gama.
Repare-se que o que estes quatro deputados fizeram foi formalmente demarcarem-se de um regime cujo embrião está ligado, pelo republicanismo e pelo partido republicano, ao assassinato de um Chefe de Estado em democracia (1908) e cujo processo jurídico-penal nunca foi terminado, que impôs-se pela força das armas contra uma Monarquia Constitucional Democrática (1910), e cujo actuais chefes de Estado são eleitos com índices de abstenção elevadíssimos…especialmente nos Açores onde falamos de 70% e onde a ALRA tinha, também por isso, uma especial legitimidade para decidir favoravelmente esta proposta. Por outras palavras, aqueles deputados entenderem ser legítimo o povo ser ouvido neste assunto que envolve a continuidade de um regime que nunca quis ser questionado pelos cidadãos…mesmo sabendo-se dos seus antecedentes e do seu presente (sempre em crise).
Apesar desta ser uma proposta transversal, todavia, e conforme refere a notícia da RTP-A, e bem, a mesma foi chumbada pela esquerda. Nessa esquerda acabou por incluir-se, em sede de recurso, e por via nominal, o PSD…que é efectivamente um partido de esquerda não tivesse ele votado favoravelmente, em 1976, o famoso artigo 2.º da Constituição que previa: «A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democrática, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.» Ou seja, PSD, PS, BE e PCP votaram todos contra…a esquerda votou e prevaleceu.
No caso específico do PSD-Açores, inverso à tendência liberal do PSD nacional (…quiçá também mais desviante dos estatutos base), acaba por, na presente fase, prevalecer um certo esquerdismo conservador. Desconhecendo as dosagens/repartições internas, a realidade, nua e crua, é que esse seu actual estado resulta do compósito que junta, nomeadamente, católicos-Motistas (i), ex-Maoístas (ii) e alguns liberais moderados (iii). É, portanto, dessa massa que advém uma prevalência mais à esquerda nos Açores do que no PSD nacional.
Não nego uma certa simpatia por este partido (até por motivos de ordem familiar próxima), nem tão pouco a simpatia e a amizade por alguns dos seus filiados, quer a nível nacional quer a nível regional. Todavia, é igualmente inegável que o actual figurino do PSD-A, além de não ser motivador em geral, acaba por entristecer-me em especial, porquanto aqueles que no seu interior mais me desiludiram na ALRA foram os primeiros (os católicos-Motista), pois com tal postura voltaram a dar uma preciosa ajuda aos ideais que, em tempo, vão infelizmente exterminar os deles. Mais 50 anos e constataremos.
A realidade é que o PSD-A está carente de pessoas determinadas, com uma postura inovadora e, convictamente, anti-socialistas (na acepção da disputa estritamente política). O PSD-A como está actualmente, reflecte uma lógica de inexpressividade perante o PS-A, traduzindo-se objectivamente numa nula presença ideológica face aos socialistas dos Açores, por serem mais do mesmo e, devido a isso, os votos estarem a escassear no sector laranja. Neste campo que este PSD-A se apresenta, o PS-A é bastante melhor e mais sólido. Qualquer um sabe que o caminho já não é por aí, pois a política portuguesa terá que inevitavelmente iniciar uma nova jornada com mais direita, visto que a esquerda prevalece há 40 anos…e as crises ressurgem ciclicamente em reflexo dessa necessidade de mudança. Há uma inegável e já imparável necessidade de (real) equilíbrio entre essas duas vertentes...eventualmente até por via de novos partidos.
Com a não aprovação desta proposta do PPM, os sociais-democratas dos Açores sintomaticamente acabaram por evidenciar a sua realidade/fragilidade presente. O PSD-A com tal postura, na ALRA, afastou-se do seu âmago, do monarquismo de Francisco Sá Carneiro e de uma parceria originária que entroncava no enorme respeito que existia entre estes dois partidos, materializado nas pessoas dos seus líderes constituintes (Sá Carneiro e o Arq. Ribeiro Telles) e, posteriormente, também com o Dr. Santana Lopes.
Talvez por contraste com estes argumentos, a postura do CDS, enquanto partido de expressão governativa, ganhou especial relevo. Muitos monárquicos em momentos chave falharam. Estes deputados do CDS não falharam. Deles a História irá falar, do rebanho que chumbou a proposta….bem do rebanho é mais um aglomerado que nada fez e nada espanta nesta necessidade. Mais do mesmo.
Por último, a decisão da Presidente da ALRA. Bem, quanto a esta decisão pouco há para dizer. A mesma baseou-se num parecer jurídico assente num pressuposto errado, pois a alínea b) do artigo 288.º da CRP fala em "forma republicana de governo" e não de chefia de Estado. Obviamente que a "forma de governo" tem de ser republicana, sujeita a votação. A chefia de Estado é que não carece, pois é um voto democrático do povo aliado à História/Origem do País...conforme acontece nos países monárquicos (bastante mais democráticos que nós) e acima mencionados.
Se o contrário fosse, como parece inclinar-se o parecer, a Constituição do meu País seria não democrática e acredito que ela não seja nada disso e permita referendar o próprio regime como, por exemplo, na Holanda. Ou seja, com tal decisão a Sra. Presidente veio dar o pior e mais tenebroso cunho à Constituição, veio afirmar uma interpretação limitativa, castradora e, sobretudo, não democrática e cuja base de sustentação parece-me abusiva face à Lei. Não posso sequer imaginar que se tenha querido dar um papel à Constituição portuguesa como se de uma Lei Fundamental da Coreia do Norte ou China se tratasse. A Sra. Presidente da ALRA veio afirmar aquilo que a nossa constituição não é: não democrática. Por direito comparado, veio também afirmar que a "constitucionalidade" da proposta perante a CRP é determinante para a (i)legitimidade dos aludidos regimes monárquicos, porquanto só possibilita a via "de governo" republicana. Mal estarão todos os outros que não forem republica!? É isso, Sra. Presidente? Contudo, claro é que o fascismo está proibido (vide artigos 46.º e 160.º da CRP), mas não outros “ismos”.
Por fim, e uma vez mais, àqueles deputados que contrariam o sistema e vêem à sua volta (Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Japão, Austrália, etc, etc), eu registo-os pela coragem e determinação e, não sendo do PPM, aplaudo a iniciativa.
Já que no Continente nada se faz, que tenham sido os azuis e brancos Açores, como contra os Filipes, como nas Guerras Liberais e como no 6 de Junho de 1975, a tomarem a iniciativa (legal)!
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