«Na capa da edição de hoje, o destaque é para a posição tomada pela secretária regional da Energia, Ambiente e Turismo que esclarece que a valorização energética de resíduos não passa necessariamente pela incineração, enquanto que o presidente da Associação de Municípios da Ilha de São Miguel insiste que o Plano Regional de Resíduos impõe a construção de uma incineradora na ilha»
In Açoriano Oriental online de 04/04/2017.
|- Afinal, e conforme escrevi oportunamente, havia competência! -|
Embora não a conhecendo pessoalmente, tenho a Sra. Secretária Regional da Energia, Ambiente e Turismo em boa consideração. Formulo acerca dela um juízo de ser uma pessoa sagaz, hodierna e sensível às causas do ambiente, bem como defensora de um crescimento sustentado para a Região Autónoma dos Açores e, consequentemente, para as gerações vindouras.
Aquilo que o Governo Regional dos Açores (GRA) está agora e aqui a defender, através da Sra. Secretária Regional, está absolutamente correto. Aliás, o GRA estará, quanto a esta matéria, objetivamente a proteger os interesses dos açorianos se mantiver esta matriz que traçou, seja contra quem for. Repensar e melhorar o ora defensado pela Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM), i.e. uma “Incineradora” desproporcionada, será sempre uma atitude politicamente correta.
Em relação às afirmações do Sr. Presidente da AMISM, parece-nos que as mesmas traduzem, predominantemente, a legislação que foi publicada em março de 2016 (v. Decreto Legislativo Regional n.º 6/2016/A, de 29 de março, que aprova o Plano Estratégico de Prevenção e Gestão de Resíduos dos Açores [PEPGRA]). Importa, pois, aqui não descurar que o atual processo, relativo à contratação pública, é iniciado em 2014.
Conhecida a nossa posição relativamente ao assunto, especificamente quanto às unidades tecnológicas a criar por tipologia de resíduos a gerir por ilha, o Decreto Legislativo Regional n.º 6/2016/A é um diploma que, indesmentível e inequivocamente, regrediu em relação àquele que estranhamente revogou, concretamente o Plano Estratégico de Gestão de Resíduos dos Açores (PEGRA), aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 10/2008/A, de 12 de maio, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 29/2011/A, de 16 de novembro.
Tendo sido publicado, de um dia para o outro, é de facto uma realidade que o Decreto Legislativo Regional n.º 6/2016/A prevê, expressamente como regra, um Centro de Valorização Energética (CVE) para São Miguel (ver tabela 2.1 - pág. 988 da publicação em Diário da República), aquilo que comummente se tem vindo também a designar por “Incineradora” e que alterou a regra anterior – ex. Centro de Valorização por Compostagem (CVOC), prevista no ora revogado PEGRA.
Chegados aqui, facilmente se compreende que essa mesma realidade revela outra que carece ser salientada: o atual processo para a criação de uma “Incineradora”, virada para a combustão de até 70 mil toneladas por ano, não vai ao encontro da regra base prevista no Plano Estratégico de Resíduos à data do Aviso de Procedimento n.º 6178/2014, de 4 de novembro, cuja entidade adjudicante é a MUSAMI – Operações Municipais do Ambiente, E.I.M., S.A., Plano aquele, como sabemos, essencial para a instrução do processo sob discussão (vide Tabela 6.13 – págs. 2586-2587, do Anexo II do predito Decreto Legislativo Regional n.º 10/2008/A).
Importa referir que era o próprio PEGRA (só revogado em 2016) que, clara e expressamente, elencava quais eram as unidades tecnológicas a criar por tipologia de resíduos a gerir na Ilha de São Miguel, nunca se reportando, naquele rol, a uma “Incineradora”. Antes privilegiava, explicitamente como regra, enquanto Centro de Valorização, a Compostagem (CVOC). Além disso, mais referia, a título unicamente excecional, que: «Em S. Miguel, no enquadramento e pelas razões já apontadas neste documento, o Centro de Valorização a jusante do CTM poderá ser, se justificado, um Centro de Valorização Energética» (vide pág. 2587 do respetivo Diário da República).
Pelo exposto, e salvo outra interpretação, entende-se, face ao contexto e conhecimento processual possível, que, num óbvio modo de macro apreciação, este processo seguiu um rumo desconforme com a regra prevista e em vigor à data do seu início. Por outras palavras, o CVE não era a regra à data do Aviso, nem tão pouco se conhece uma justificação que fundamente aquele meio conforme a lei exceciona e, cujo teor justificativo, tenha sido, em princípio, deferido pelo órgão competente. Tal justificação fica ainda mais difícil de aceitar se atendermos àquilo que refere muito convenientemente a Sra. Secretária Regional, ou seja que a “valorização energética de resíduos não passa necessariamente pela incineração”, pois em rigor aquela não é sinónimo de “Incineradora”.
Ora, mesmo admitindo não faltar a mencionada e necessária justificação, cuja ausência seria motivo aberto de impugnação contenciosa, com base na nulidade do procedimento por incumprimento e desconformidade legal, contudo, e dada a importância deste assunto, impõe-se saber, dado o manifesto interesse coletivo aqui em causa, se alguém conhece a mesma? Quem garante/garantiu que aquela tem fundamento excecional? Quem assegurou/autorizou isso? O legislador? A AMISM? A MUSAMI? O GRA? Que entidade foi?!
Acredito que o GRA, para o bem dos açorianos, em especial dos micaelenses e dos terceirenses, vá manter a sua atual posição e firmar aquilo que se impõe: o ambiente, a saúde e o turismo nos Açores.
O investimento numa unidade de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) de última geração e de dimensões razoáveis (inequivocamente em valor superior aos € 7 milhões referidos na comunicação social), seria uma boa solução a vários níveis, inclusive para o emprego. Com uma robusta e eficaz TMB, os excedentes seriam certamente numa proporção reduzida e os quais poderiam:
a) Dispensar de todo uma “Incineradora”;
b) Serem expedidos para o equipamento já existente na Ilha Terceira, caso se justificasse;
c) Levar, em último recurso, à construção de uma “Incineradora” de pequenas dimensões no caso do referido na alínea anterior não ser meio suficiente.
Esta solução ficaria, no global, sempre abaixo dos € 68 milhões que o concurso público da MUSAMI + AMISM leva a cabo para a construção da “Incineradora”, muitíssimo mais rentável ao erário público. Existe, neste momento, uma desproporção nos dois equipamentos em discussão (TMB vs “Incineradora”), sendo ilógico que o de maior dimensão seja a “Incineradora”, quando esta devia ser uma solução de último recurso na cadeia da gestão de resíduos e, por tal, mais contida.
Termino questionando: quando cada vez mais se percebe que a grande solução dos Açores é o turismo, que futuro para a Região no cenário de um ‘green tourist’ a aproximar-se de avião à ilha, chamar-lhe à atenção uma enorme infraestrutura, com laivos de indústria, potencialmente a deitar uma apelativa mancha de fumo derivante de inceneração? É isso que queremos para a nossa Ilha Verde?
Pintura – ‘Cows On Garbage 2’ - 24x13 - © 2004 - Don Simon - Environmental.
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