Este era o título do artigo contido na página 41, do Primeiro Caderno, de 14 de Março de 2015, do Semanário Expresso. A notícia reportava-se a “um jovem intelectual” e blogger, de 31 anos, saudita, Raif Badawi, que foi condenado a dez anos de prisão e a mil chicotadas. O crime, esse, seria essencialmente um suposto abandono, por Raif, da religião islâmica.
Nesse contexto, a peça jornalística descreve a intervenção de três mulheres, dispersas por três países em continentes diferentes (Canadá, Arábia Saudita e Suíça) e que, sendo muçulmanas, têm feito de tudo, “dia e noite”, para libertar Raif. O Expresso, por intermédio da jornalista Margarida Mota, abordou as três.
Todavia, e para ser muito franco, não foi este o assunto (supostamente principal) que me despertou interesse. Foi antes um dos subcontextos, mormente o de uma das três mulheres, Samar Badawi, irmã do detido e aquela que reside no local da discórdia: na Arábia Saudita. Refere o artigo que esta mulher sofre duplamente, porquanto tem o irmão preso e também o seu marido, Walid Abu al-Ka, o advogado de Raif e conhecido activista na região.
O Reino da Arábia Saudita é o maior país árabe da Ásia Ocidental e o segundo maior do mundo árabe (só ultrapassado pela Argélia). O Reino foi fundado pelo Rei Abd al-Aziz Al Saud prevalecendo, até hoje, a casa ancestral de sua família, a Casa de Saud.
A Arábia Saudita possuiu a segunda maior reserva de petróleo e a sexta maior reserva de gás natural do mundo, é considerada uma respeitável economia pelo Banco Mundial e possui o 19º maior PIB do mundo. Enquanto um dos maiores exportadores de petróleo, o Reino da Arábia Saudita é também um dos países mais poderosos do mundo.
Apesar da sua simpática realidade económica e de registar, em alguns domínios, determinados avanços societários qua a tornam um dos países árabes mais desenvolvidos, não é menos verdade que, na Arábia Saudita, desde da sua criação, o sistema político tem sido o de uma monarquia absoluta teocrática. Essa preponderância, até com grandes influências sobre o próprio Governo, advém, de certo modo, da importância deste Reino ser a "Terra das Duas Mesquitas Sagradas", ou seja por comportar as mesquitas al-Masjid al-Haram (em Meca) e al-Masjid an-Nabawi (em Medina), os dois lugares mais sagrados do islamismo.
Colocado o contexto, recuperava a pessoa de Walid Abu al-Ka, o advogado de Raif Badawi e marido de Samar. Este homem, enquanto activista, é um incansável defensor daquilo em que acredita, a prova disso advém do facto de estar preso pelo regime que contrapõe. Assim, contra a monarquia absoluta teocrática, é admirável, sintomático e até muito inovador nos dias que correm, que este causídico, em vez de se opor à fórmula monárquica sugerindo o que seria simples, corriqueiro, abundante e até “normal” nestes contextos, i.e. emergir a irrepreensível fórmula republicana de regime, mas não, nem pensar! Estando preso, continua a ser nos calaboiços, pasmem-se, um “acérrimo defensor de uma monarquia constitucional”. Ora, não consigo deixar de analisar este caso como sendo de um particularismo ímpar e sintomático, porquanto é o contraponto daquilo que nos faltou, em Portugal, enquanto regime, nos séculos XIX e XX. Preferimos embarcar, como ultimamente continua a ser, em modas e não defender a nossa própria estrutura enquanto Nação. É certo e sabido que um país como o Reino da Arábia Saudita tem essa grande vantagem de estar desprendido das habituais forças de pressão que nos conduziram à república e que, infelizmente, ainda hoje por aí controlam a máquina estatal e formatam a cabeça dos cidadãos, sendo por isso os sauditas mais sólidos enquanto intérpretes da Nação histórica…mesmo os seus activistas progressistas. Contudo, e ainda assim, atendendo ao legado da Monarquia Portuguesa, e dos exemplos europeus que naqueles períodos predominavam e que ainda hoje alguns proliferam, ter-nos-ia sido muitíssimo mais congruente e profícuo mantemo-nos em Monarquia. A nossa infeliz realidade hodierna isso demonstra e as democracias monárquicas avançadas do mundo enfatizam-na.
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